quinta-feira, 18 de abril de 2024


18 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Maquiagem da casa

Minha esposa estranhou que eu estava lavando louça, depois estranhou que eu estava lavando roupa, depois estranhou que eu recolhia nossas peças pelo quarto, depois estranhou que eu varria os farelos do chão da cozinha.

Ela veio me alertar: - Por que está arrumando tudo se a faxineira vem amanhã? Eu respondi: - Justamente por isso. Estou organizando a casa para a faxina. Estou arrumando a casa para a faxineira chegar, para não me envergonhar diante dela.

Empreendo sempre uma pré-faxina. Tenho medo do que a faxineira pensará de mim. Vá que diga que aquele escritor é um porco, que o nosso lar é uma pocilga, que a pia tem louça parada há séculos, com todos os copos, pratos e panelas usados, que a cueca fica presa na calça, que eu largo os casacos pelo chão, que espalho xícaras com restos de café pelos cômodos, que o lixo transborda de papel.

A faxineira conhece os nossos podres. Que, pelo menos, não sejam tão horripilantes assim. Tenho pena dela e de mim, numa compaixão misturada. Dedico a véspera de sua vinda para passar a limpo o meu rascunho e possibilitar que ela entenda a minha letra. 

Eu deixo a casa minimamente bagunçada, controladamente desorganizada, como se fosse um leve caos de ontem, não o apocalipse de uma semana inteira. Ajeito a aparência tentando evitar a profundeza química dos detergentes. Não é mais um terreno baldio, não é mais um território fantasma. Dá para localizar as chaves, o celular, a cabeça. Não vejo como um trabalho inútil, um esforço em vão.

Só não quero assustar a faxineira. Sabe como é difícil encontrar uma boa faxineira hoje. Eu me torno seu assistente. Se ela já reclama do serviço pesado, não tem noção do que escapou de presenciar. Aparo o ambiente, rearranjo o inferno. Meu gesto representa uma pertinente redução de danos. Além de preservar a minha imagem, não ofereço motivos para aumento da diária sob alegação de insalubridade.

Às vezes, exagero, invento de organizar demais, sou tomado pela serotonina, pela endorfina e pela dopamina do exercício físico e não sei parar o que iniciei. Eu me excito com a transformação milagrosa do cenário e encero o chão, e limpo as vidraças, e passo as camisas. Daí entro em dúvida sobre adiar ou não a faxineira. Não sobra muita coisa para ela.

Mas não tenho como correr esse risco: se eu a dispensar uma vez, ela pode ocupar o meu dia fixo com uma nova pessoa, e terei que suplicar pelo seu retorno como contratante suplente e esporádico. Faxineiras são extremamente disputadas.

Então, de noite, começo a bagunçar um pouco tudo o que ordenei, ocultando a minha performance higiênica, despistando a assepsia do lugar com um toque de baderna. Assim ela não irá reclamar também da falta do que fazer.

CARPINEJAR

18 DE ABRIL DE 2024
+ ECONOMIA

Vetado prédio de 45 andares no Centro

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) indeferiu a construção do prédio de 45 andares da Melnick no centro de Porto Alegre. Conforme o órgão, recursos nesse âmbito administrativo são possíveis "somente se a empresa adequar o projeto à altura máxima permitida", que é de 15 andares ou 45 metros.

O principal argumento é de que a altura do projeto "não só é três vezes maior que o limite de pavimentos estabelecido pela portaria", como "mais que o dobro do número de pavimentos identificados nos edifícios mais altos do entorno do Museu (Júlio de Castilhos, foto), que situa-se entre as cotas mais altas do centro".

Ainda existe possibilidade de uma batalha jurídica em torno do projeto, mas no setor imobiliário esse tipo de recurso é considerado "difícil", inclusive por envolver desgaste de imagem. Em setembro passado, o CEO da incorporadora, Leandro Melnick, havia admitido adaptações no projeto:

- Faz parte da aprovação do projeto a conversa com as partes relacionadas. Entendemos que, como está, terá impactos positivos. Mas não está concluído, está em tramitação, que vai levar a várias adaptações.

A coluna fez contato com a Melnick para saber qual será a posição da empresa sobre o projeto, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição.

Em pouco mais de 15 dias, o dólar saltou de R$ 5 para R$ 5,232, como fechou ontem, depois de recuo de 0,5%. A alta tem componentes nacionais e internacionais e um contexto que inquieta o mercado: o aumento da dívida pública do Brasil, já elevada.

A confirmação de que a meta de superávit de 0,5% do PIB prevista para 2025 virou novo compromisso de déficit zero precipitou revisões de outros indicadores, como o juro, tanto o básico quanto o futuro, que indexa financiamentos a empresas, ou seja, a investimentos.

Ao apresentar o primeiro esboço do orçamento de 2025, o Ministério do Planejamento mostrou sua projeção da trajetória da dívida líquida pública. Mesmo na versão oficial, a constatação é óbvia: vai piorar antes de melhorar.

A estimativa vê aumento da dívida até 2028, para só então começar a declinar, lentamente. E é significativo que mostre elevação mais expressiva entre 2025 e 2026. Pelos dados do Ministério do Planejamento, no ano da eleição presidencial a dívida subiria 1,2 ponto percentual, a maior variação da série histórica apresentada.

É preciso, ainda, acrescentar que, sim, houve imprevistos, especialmente no cenário externo. O risco de ampliação de um conflito no Oriente Médio não estava no horizonte.

No entanto, a dependência do aumento de receita na fórmula do ajuste fiscal foi amplamente apontada como fator de risco maior. O controle de gastos é mais controlável, disseram sete em 10 economistas. Em um mundo instável, faz diferença.

MARTA SFREDO

18 DE ABRIL DE 2024
BÔNUS PARA JUDICIÁRIO MP E DEFENSORIA

PEC que turbina salário de juízes avança no Senado

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou ontem a proposta de emenda à Constituição (PEC) que concede "bônus" na remuneração de magistrados, procuradores e promotores da ativa e aposentados, o quinquênio.

O relator da PEC, senador Eduardo Gomes (PL-TO), acatou emendas que estendem o penduricalho para membros da Advocacia Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal, membros da Defensoria Pública e ministros e conselheiros de Tribunais de Contas. O texto segue, agora, para o plenário da Casa.

A proposta estabelece o pagamento de adicional por tempo de serviço de 5% do salário das carreiras da magistratura e do Ministério Público a cada cinco anos, que podem chegar até o máximo de 35% do teto constitucional. O texto é defendido pelo presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), e pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Hoje, o limite de pagamento do funcionalismo público federal é de R$ 44.008,52, que corresponde ao salário dos ministros do STF. Como o adicional é uma verba indenizatória, será acrescido à remuneração sem entrar no abate-teto.

A PEC foi aprovada por 18 votos a favor e sete contrários. Foram contra a proposta Alessandro Vieira (MDB-SE), Beto Faro (PT-PA), Eduardo Girão (Novo- CE), Jaques Wagner (PT-BA), Oriovisto Guimarães (Podemos- PR), Otto Alencar (PSD-BA) e Rogério Carvalho (PT-SE).

Sergio Moro (União-PR), ex-juiz federal, e Flávio Bolsonaro (PL-RJ) estão entre os favoráveis ao texto.

Tramitação

No plenário, a PEC precisa ser aprovada por 49 votos dos 81 senadores, em dois turnos. Ainda não há data para o texto ser pautado, segundo a assessoria da presidência do Senado. Passada essa etapa, a proposta será encaminhada para a Câmara e precisará do apoio de 308 dos 513 deputados, em dois turnos.

Estimativa do Centro de Liderança Pública diz que o efeito inicial é de cerca de R$ 1,8 bilhão. Segundo o estudo, o quinquênio vai beneficiar 31.822 dos 266 mil magistrados, procuradores e promotores que atuam no país. O levantamento também estima que 17,8 mil membros do Judiciário e do Ministério Público terão remuneração mensal maior que o teto constitucional.


18 DE ABRIL DE 2024
ROTA DE COLISÃO

Tensão entre poderes volta a escalar

Lira ameaçou instalar CPIs para pressionar governo e se reuniu com Alexandre de Moraes, que foi ao Senado de surpresa ontem

Em novo desdobramento da crise entre poderes, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou intenção de autorizar a instalação de cinco comissões parlamentares de inquérito (CPIs) simultâneas. Um dos pedidos protocolados tem como objetivo investigar supostos abusos cometidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O movimento ocorre na esteira de episódios que desgastaram a relação entre o Congresso e o Palácio do Planalto. Na semana passada, Lira chamou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de "incompetente". Além disso, um primo do presidente da Câmara foi demitido esta semana de um cargo federal que ocupava em Alagoas.

O plano de liberar a criação das CPIs foi comunicado por Lira em uma reunião de líderes na terça­feira. No total, são oito requerimentos pendentes, mas o regimento só permite cinco comissões simultâneas. Alguns dos temas dos colegiados são relacionados à segurança pública, área que tem a pior avaliação do governo.

O objetivo é pressionar o Planalto. As CPIs mudam a rotina da Casa e podem dificultar a tramitação de projetos estratégicos, além de servirem de palanque para a oposição em um ano eleitoral.

No caso da comissão para investigar o STF, a abertura indicaria um gesto de Lira aos setores da oposição que pressionam por um freio aos poderes do Judiciário.

O pedido da CPI foi protocolado no final de novembro, após a coleta de 171 assinaturas requeridas pelo regimento interno da Casa. A pressão aumentou depois da prisão, autorizada pelo STF, do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.

Urgência

Em outra frente da ofensiva, Lira incluiu na pauta do plenário o requerimento de urgência para projetos de lei contra o MST (leia mais na página 9). Lira também sinalizou que incluiria na pauta outro requerimento de urgência, referente a um projeto de decreto legislativo que susta o decreto do governo que regulamenta a Lei de Igualdade Salarial, sancionada em 2023, mas acabou recuando.

Ontem, Lira teve reuniões com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e com o ministro do STF Alexandre de Moraes, que foi de surpresa ao Congresso (leia ao lado).

Diante do agravamento das tensões, o governo destravou a liberação de emendas parlamentares esta semana. Da semana passada para cá, o Ministério da Saúde autorizou o pagamento R$ 4,8 bilhões. Deste total, R$ 2,5 bilhões saíram ontem. Um dos motivos do tensionamento entre os poderes é justamente o veto a parte do valor que foi aprovado pelos parlamentares para emendas no orçamento deste ano.


Intenções

Deixe-me ver se entendi bem: uma ditadura fundamentalista despeja 300 mísseis e drones sobre um país democrático, do tamanho de Sergipe, e, para muitos analistas e militantes ideológicos, isso é apenas "um gesto", sem a intenção de machucar ninguém ou de iniciar uma escalada de violência. Além do mais, dizem eles, os mísseis não eram de última geração e os representantes dos aiatolás até avisaram antes.

Não demora, algum gênio da geopolítica defenderá a necessidade de Israel se desculpar com o Irã por ter sido atacado e, graças à sua capacidade tecnológica e às suas parcerias geopolíticas, ter conseguido se defender. Não me surpreenderia se algum dos radicais que hoje comandam o Itamaraty elogiasse o "carinho" do Irã em Israel.

Vamos aos fatos: um único míssil oco disparado por uma ditadura sanguinária contra qualquer país democrático seria um motivo mais do que justificável para uma reação e para uma condenação internacional. Muitos condenaram. O governo brasileiro, não. Dias depois, diante do espanto planetário com sua posição omissa, tentou emendar, mas de forma genérica e sem muita convicção.

Não importa se as armas foram disparadas de ré ou se eram enferrujadas. O Irã lançou 300 artefatos contra cidades densamente povoadas. Se isso não é um ato de agressão descomunal, talvez os fanáticos precisem jogar uma bomba atômica sobre Tel Aviv para serem, de fato, compreendidos. Aliás, penso que esse é o seu objetivo. 

Só precisam de um pouco mais de tempo para dar o salto definitivo no seu programa nuclear. O pretexto para a agressão iraniana foi a eliminação de líderes terroristas em um prédio anexo à sua embaixada na Síria. Consta que pelo menos dois deles tiveram participação direta no planejamento dos atentados de 7 de outubro, quando o Hamas assassinou 1,2 mil pessoas em Israel e sequestrou mais de 200, das quais 130 permanecem em cativeiros na Faixa de Gaza.

Tenho recebido pelas redes sociais manifestações de iranianos exilados ou expulsos de seu país. "Somos o Irã, não a República Islâmica" é um lema que começa a ganhar força entre os que já compreenderam que o regime de Teerã não é uma ameaça apenas para Israel, mas sim para o futuro da humanidade. E eles não são poucos.

Jamais defendi a guerra e sofro pelos palestinos e pelos israelenses atingidos pelo conflito. Deveríamos fazer mais por eles. Mas, se o Irã não for devolvido aos iranianos que pedem paz, liberdade e democracia, a conta será muito alta no futuro. Torço para que a conversa civilizada e a diplomacia consigam resolver, antes que seja tarde.

TULIO MILMAN 

quarta-feira, 17 de abril de 2024


17 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Primeiro salário

O que você fez com seu primeiro salário? No primeiro emprego, experimentamos a sensação de que estamos ricos. Não importa a natureza do ofício. Partimos do zero para dispor de recursos próprios. Pode ser uma ninharia, mas você conquista um valor finalmente seu, com a liberdade de aplicar onde quiser.

Há aqueles que nem esperam o dinheiro pingar na conta e, com a confiança nova de assalariados, já abrem a torneira, assumindo compras a prazo. Minha irmã Carla Nejar recém havia ido morar sozinha, só contava com a sua mala e seu travesseiro num espaço vazio. Ela olhou aquele travesseiro solitário em cima da bagagem e parcelou um colchão de casal. Não mais dormiria apertada numa cama de solteiro, apenas apertaria o orçamento.

Há quem seja grato com os pais, que sempre arcaram com o sustento da casa, e repasse o montante inteiro a eles como um ressarcimento simbólico pelas despesas da vida. Minha esposa tomou essa atitude altruísta.

Eu fui quase na mesma linha. Realizei um rancho no melhor supermercado do bairro. Não consegui levar tudo o que eu queria, mas me senti, de modo inédito, um provedor. Ainda me lembro da cara desconcertada da minha mãe quando comecei a desempacotar os produtos e encher a geladeira.

Ela somente me perguntou: - Você assaltou algum banco? Eu lhe respondi com bom humor: - Sim, me ajude a guardar tudo antes que a polícia chegue.

Aliás, a minha mãe utilizou seu vencimento inicial de seu trabalho na Reitoria da UFRGS, em que redigia ofícios e correspondências, para pagar um curso de datilografia. Ela privilegiou a sua formação. Meu pai também destacou a sua carreira, financiando seu livro de estreia, Sélesis.

Há quem coloque em prática um desejo reprimido de consumo, adquirindo um item pessoal que jamais receberia no Natal ou no aniversário. Caro ou supérfluo, é um artigo desdenhado pelos mais próximos, que não entendem a sua importância.

Minha amiga Débora Tessler, em sua estreia na Carteira de Trabalho, gastou os 350 pilas do contracheque em uma carteira de couro classuda, na cor preta, na antiga loja de joias Natan. Ela namorou a vitrine por longos meses, rezando para que ninguém a antecipasse.

Eduardo Nasi, meu compadre que mora em São Paulo, arrebatou todos os gibis de uma banca de revista. Vingou a sua infância.

Vinicius Veloso, hoje dono de uma rede de restaurantes, teve seu dia de Fantástica Fábrica de Chocolate na loja Kopenhagen. Sua gula aconteceu no balcão, em que abria caixas e saboreava as barras e os tabletes diante de atônita vendedora. Jamais esqueceu a explosão do bombom de cereja na boca. Acredita que o gosto do sucesso é um bombom de cereja.

Há quem exagere num passatempo. Meu confidente, Zé Klein, acostumado a ficar 40 minutos num fliperama com cinco fichas, anoiteceu no lugar com 50 fichas. Saiu tonto de lá, tentando obliterar a gastança com o mumu dos churros.

Há quem transfira os sonhos aos outros. É o caso da minha personal trainer Raquel Dias Dutra, que deu uma casa da Barbie para sua sobrinha Nicole. Nem preciso dizer que passou um final de semana brincando junto.

Há quem perceba a situação como um degrau para ingressar no mundo adulto. O psicanalista Mário Corso botou um cebolão no pulso, orgulhoso pela possibilidade de informar as horas aos demais.

Engraçado mesmo foi a minha nutróloga Ana Farnese, que voltou para casa com 10 potes de palmito. O palmito era item chique, inacessível, restrito às mesas mais abastadas. Ela nunca tinha provado. Mas comeu tanto, numa overdose tamanha, que até hoje não consegue suportar cheiro de palmito por perto.

CARPINEJAR

17 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

À ESPERA DA REGULAMENTAÇÃO

Espera-se que o governo federal não tarde muito mais em enviar ao Congresso os projetos de lei complementar que regulamentarão a reforma tributária. Trata-se de uma etapa quase tão relevante quanto a aprovação da emenda constitucional da proposta no ano passado, após mais de três décadas de tentativas frustradas de reformular os impostos sobre o consumo no país. São muitos os pontos sensíveis que estão pendentes e são cruciais para determinar a potência e a qualidade do futuro sistema. Entre as indefinições está a alíquota-padrão do imposto sobre valor agregado (IVA) a ser criado. Anteriormente à votação da reforma, o Ministério da Fazenda calculava um percentual de 27,5%, mas ainda sem considerar as alterações no texto aprovado.

Era aguardado o envio dos textos nesta semana, mas é possível que fique para a próxima, após o ministro Fernando Haddad retornar da viagem aos EUA, onde participa de reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI), do G20 e do Banco Mundial. Deve ser lembrado que, pela complexidade do tema, a regulamentação merece máximo cuidado.

Mesmo que as alterações no sistema tributário só entrem em vigor em 2026, não seria uma boa sinalização deixar de vencer esta fase ainda em 2024. Um complicador é o fato de o país estar às vésperas das eleições municipais, quando usualmente o Congresso fica quase às moscas em grande parte do segundo semestre. O tempo é exíguo para tratar de forma adequada uma matéria em que cada detalhe importa. Dar conta desta etapa seria importante para ter prazo confortável no próximo ano para estabelecer as normas infralegais, deixando de criar riscos de atropelos em 2026.

Haddad e o presidente da Câmara, Arthur Lira, tinham no final de março a meta de finalizar a apreciação dos projetos de lei em junho. É um objetivo bastante ousado. O próprio deputado sinalizou a empresários que a regulamentação seria bem mais discutida do que a emenda constitucional. 

Ademais, nos últimos dias subiu a temperatura entre o governo e Lira, após a votação relativa à prisão do deputado federal Chiquinho Brazão, apontado como um dos possíveis mandantes do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. Espera-se que Lira separe os assuntos e não promova nenhum tipo de retaliação que afete a tramitação da reforma ou leve a uma desidratação da proposta ainda maior. Essa não é uma pauta do Executivo, mas do país, em que o parlamento também foi protagonista e é igualmente responsável.

No início do ano, a pasta da Fazenda organizou 19 grupos de trabalho para discutir o projeto de lei e tratar de tópicos como cesta básica, cashback, regimes específicos, imunidades, imposto seletivo e comitê gestor do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A previsão é de que os temas sejam agrupados em dois textos. Um deles tratará das regras do imposto seletivo e dos novos tributos criados, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o IBS, de Estados e municípios. O segundo regulamentará o comitê gestor do IBS e as regras sobre as disputas entre os contribuintes e os fiscos.

O primordial é não se afastar do princípio da simplificação, da não cumulatividade e do menor número possível de exceções, para evitar uma alíquota geral mais elevada.

OPINIÃO DA RBS

17 DE ABRIL DE 2024
EM MOVIMENTO

Grupo RBS divulga pesquisa Persona

Estudo inédito, que foi apresentado no Instituto Caldeira, mostra os perfis, comportamentos e hábitos de consumo dos gaúchos

O Grupo RBS apresentou os resultados da pesquisa Persona na manhã de ontem, em evento para convidados no Instituto Caldeira, em Porto Alegre. Representantes de clientes, agências, entidades, imprensa e parceiros puderam conferir e participar de um bate- papo sobre o estudo inédito, encomendado pela RBS e realizado em parceria com as empresas de pesquisa Coletivo Tsuru e Cúrcuma. A pesquisa mostra os perfis, comportamentos e hábitos de consumo do gaúcho em meio às mudanças contemporâneas.

- A maior relevância de um projeto como esse é a RBS poder entregar ao mercado essa expertise no consumidor gaúcho. A gente é especialista no gaúcho e entende como ele se relaciona com as marcas, especialmente seus hábitos de consumo, sua identidade. Porque, afinal, somos gaúchos. Isso faz toda a diferença para a nossa relação de negócios com as marcas, com os nossos clientes, e a gente quer, hoje, também, poder entregar isso para quem está com a gente - destacou Caroline Torma, diretora-executiva de Marketing da RBS, à reportagem.

Os resultados do estudo mostram o que se transformou na percepção sobre o povo do Rio Grande do Sul ao longo dos últimos anos. A diretora-executiva de Mercado do Grupo RBS, Patrícia Fraga, deu início ao evento introduzindo o conceito do gaúcho em movimento. A ocorrência de uma abertura maior para o novo e para o mundo faz com que ele tenha outros comportamentos, inclusive em relação ao consumo. A pesquisa, por sua vez, traz novas nuances e insights relevantes para as marcas que desejam se comunicar com esse público, argumenta Patrícia.

- O mundo em que a gente vive é tão dinâmico e vive em transformação. Conhecer nosso consumidor em profundidade continua sendo um pilar para as boas estratégias de negócio e relevante para a construção dos produtos - afirmou.

Descobertas

Ao lado de Caroline Torma, o comunicador Luciano Potter apresentou as principais descobertas do estudo. O ponto de partida é o entendimento de que apenas o retrato da tradição parece não conseguir mais representar o povo do Rio Grande do Sul em sua totalidade. O gaúcho de 2024 não está apenas preservando a tradição, está em movimento. Nesse sentido, uma das características mais fortes do morador do RS é o afeto, responsável por colocá-lo em movimento, com destaque para a família.

- Este é o caminho para conhecer mais e melhor os gaúchos de hoje - apontou Potter.

A tradição continua presente como pano de fundo, em maior ou menor grau, e sentir-se gaúcho é um estado de pertencimento e uma condição coletiva. A diferença está, agora, na abertura a novidades e mudanças. A pandemia intensificou essa abertura para o mundo e a essência afetuosa do gaúcho.

- Uns mais abertos, outros mais fechados, cada um no seu tempo. O novo gaúcho é assim - sintetizou.

FERNANDA POLO

17 DE ABRIL DE 2024
HISTÓRICO E ESSENCIAL

Aos 80 anos, Pronto Socorro quer seguir crescendo com Porto Alegre

Instituição de saúde inaugurada em 19 de abril de 1944 passou por várias reformas e tem projeto de expansão para 2028

Quando o prédio de cinco andares que abriga o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS) foi erguido no bairro Bom Fim, na década de 1940, o cenário da Capital era bem diferente. O movimento de pessoas e veículos era menor, assim como os índices de violência. As mudanças demográficas fizeram com que a instituição de saúde fosse se adaptando, tornando-se referência no atendimento de casos de trauma para o Rio Grande do Sul. É com esse status e um novo projeto de expansão em vista que o hospital completa 80 anos na sexta-feira.

Até a inauguração da sede localizada no Largo Teodoro Herz, entre as avenidas Osvaldo Aranha, Venâncio Aires e José Bonifácio, em 19 de abril de 1944, o serviço de assistência em saúde de Porto Alegre para casos urgentes funcionava no Paço Municipal. De acordo com a diretora-geral do HPS, Tatiana Breyer, a instituição começou a ser construída no governo de José Loureiro da Silva e foi entregue já na gestão de Antônio Brochado da Rocha, quando a cidade tinha hospitais que atendiam basicamente casos clínicos e de pediatria.

Em 2004, o prédio histórico ganhou um anexo, com acesso pela Avenida Venâncio Aires, para abrigar setores administrativos. A entrada principal do hospital também foi adaptada, anos depois, para que os pacientes tivessem um local coberto para aguardar atendimento.

Mais recentemente, a instituição passou por melhorias como as reformas das unidades de terapia intensiva (UTIs) pediátrica e do quarto andar, a criação de uma enfermaria de trauma pediátrico e a aquisição de equipamentos para diferentes setores. Já o banco de sangue do hospital, que passou anos fechado devido à falta de uma equipe especializada, foi reaberto em 2023. Mesmo assim, Tatiana admite que ainda há questões estruturais importantes a serem resolvidas:

- Tem a questão do telhado, que já é um problema crônico e que agora finalmente vai sair. Assinamos o contrato para começar a reforma. Tem a reforma da UTI de queimados, que para nós também é fundamental. Estamos reformando toda a parte de rede de água quente do hospital. Ainda tem parte de geradores e infraestrutura de rede de gases.

Violência

Em relação às principais mudanças ocorridas nos atendimentos no decorrer dos anos, a diretora-geral cita o aumento da circulação de automóveis, da violência e da gravidade dos feridos. Outro fator é o envelhecimento da população. Diariamente, de cinco a seis idosos chegam ao HPS com algum membro quebrado, devido a quedas em casa.

- Os meus amigos do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) dizem que, dentro do atendimento pré-hospitalar, antigamente traziam os pacientes com uma série de ferimentos. Agora, muitas vezes não conseguem nem trazer, porque as pessoas morrem no local, devido ao calibre do armamento do crime organizado - comenta.

Conforme Tatiana, o HPS também atua como sinalizador do funcionamento da rede de saúde de Porto Alegre e da Região Metropolitana. Isso porque, quando existe algum problema em outro hospital, a procura pela instituição aumenta - algo que ocorreu nas últimas semanas, devido a questões como troca de gestão, greves e suspensão de atendimentos em hospitais de municípios vizinhos:

- Percebemos que as pessoas têm urgência em resolver seus problemas. E, na unidade de atenção primária, às vezes há uma certa dificuldade de ter os exames prontamente. Por isso temos essa procura enorme de pacientes pela nossa porta de entrada. Isso acaba superlotando um lugar que deve atender coisas mais graves, como o acidente de trânsito e todas as questões de violência.

JHULLY COSTA

17 DE ABRIL DE 2024
MÁRIO CORSO

O retorno da corrida espacial

Cresci durante a corrida espacial, o duelo tecnológico por conquistas no espaço entre EUA e Rússia. Soube por Iuri Gagarin que a Terra era azul. Assisti na TV ao homem pisar na Lua. Lembro-me da comoção pela primeira foto da Terra tirada do espaço. Meu imaginário era alimentado por Perdidos no Espaço, Os Jetsons e Jornada nas Estrelas. Acreditava que colonizar o espaço seria nosso destino natural. O sonho acabou quando estudei física e biologia.

Como seria viver em Marte, já que Elon Musk, com a companhia SpaceX; Jeff Bezos, com a Blue Origin; e Richard Branson, com a Virgin Galactic; querem enviar pessoas para lá? A temperatura média é de 55 graus negativos. A atmosfera é 95% de gás carbônico e a pressão é 0,6% da nossa. A gravidade é 38% da terrestre. Sem escudo magnético e com camada gasosa rala, a radiação solar é 20 vezes maior do que a terráquea.

Nosso corpo foi esculpido pela evolução para viver aqui, adoece em outras condições. Nos filmes de viagens espaciais não se fala da anemia do astronauta, da perda de massa muscular e óssea, do aumento dos níveis inflamatórios, de disfunções cardíacas, imunológicas e hepáticas? A lista completa não cabe na coluna.

Para contornar o ambiente inóspito de Marte - fora a gravidade que é impossível -, seria necessário construir uma bolha, provavelmente enterrada para minimizar a radiação, e obter oxigênio não se sabe de onde para simular as condições terrestres. Seria como uma vida em submarino, atentos a não sucumbir à brutal diferença de pressão.

Quando a Terra começa a sofrer as consequências do uso predatório da natureza, e o desafio é minimizar esse impacto, para que serve planejar uma colonização inviável?

O filme Blade Runner cria uma distopia em que nosso planeta estaria destruído, e os mais afortunados viveriam em colônias extraterrestres. A obra capta a ideia de "azar do planeta", e os eleitos escapam do ocaso terrestre. Seria essa a fantasia subjacente? É essa a resposta dos bilionários para o aquecimento global?

Ao reaquecer o imaginário da corrida espacial, eles vendem a ilusão de que o corpo humano não teria limitações. A promessa de contornar o impossível é valiosa mercadoria simbólica. Ela ativa a onipotência infantil latente em todos. Eles vendem mitos, a terra prometida, um lugar no céu para ser feliz.

Quando é que voltaremos a ser adultos e não confundir filmes com a realidade?

MÁRIO CORSO

terça-feira, 16 de abril de 2024


16 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

Depois dos 80 anos dos pais

Depois que os pais completam 80 anos, não se deve mais brigar com eles. Não se deve mais querer mudá-los ou ter razão. Eles são daquele jeito, entenda e respeite.

Tomei essa decisão definitiva. Não discuto mais com os meus pais. Não importa o que aconteça, não importa se concordo ou discordo deles, não importa se passam pano para um irmão que errou feio, não importa se me posiciono contra a sua orientação política ou sua opinião estapafúrdia, não importa se preciso tolerar disparates do quanto o passado era melhor.

Eu me calo na mais funda paciência. Não me precipito, não permito que a ansiedade vire falta de tato, não aceito que a pressa desemboque na grosseria, não facilito ressentimentos. Eu transformei o meu silêncio em cuidado. Apenas observo e agradeço a bênção. Minha mãe tem 84 anos. Meu pai tem 85.

Nenhum desentendimento será maior do que o meu amor por eles. O amor prevalece e reina pela paz.

Tudo com que eu poderia me indispor, tudo o que eu poderia apontar, tudo de que eu poderia reclamar: já fiz antes. Minha carência da infância acabou, minha revolta da adolescência findou, sou adulto para não ser mais levado pela mão nervosa da passionalidade.

Agora é o momento da cristalização de nossos laços, a colheita daquilo que foi plantado, a reverência aos dois pelos exemplos oferecidos ao longo de riquíssima existência. Assim como os pais se aposentam do serviço, também merecem a aposentadoria de nossas críticas, de nossas restrições, de nossos senões.

Deixo que errem, deixo que bradem, deixo que transpareçam insatisfações, deixo que xinguem as minhas limitações e meus defeitos. Eles têm o direito de ficar de mal comigo, eu não tenho mais esse privilégio.

Eu me farei de louco quando eles se mostrarem estremecidos, não aprofundarei o mal-estar, esquecerei possíveis tensões, seguirei adiante, trocarei de assunto, confiarei a eles a minha risada mais honesta de quem acolhe e reparte as imperfeições.

O que me cabe é me manter próximo, atento e acessível a qualquer necessidade. Ninguém escuta pedido de socorro permanecendo longe. Darei presentes, pagarei almoços e jantares, surgirei imediatamente sempre que for chamado. Não se brinca com o tempo. Não se debocha do destino. Todo dia é uma eternidade para quem ultrapassou os 80 anos.

O que não desejo, de modo nenhum, é perdê-los durante uma ruptura emocional, estando brigado, estando sem falar com eles.

A culpa costuma aparecer nas nossas distrações, o remorso se aproveita dos nossos pequenos atos egoístas de isolamento. Uma distância momentânea hoje é fatal. Você julga que interrompeu a comunicação ocasionalmente e não percebe que se trata de um instante decisivo.

Jamais vou parar de conversar com eles, jamais cairei na tentação da birra, jamais agirei com chantagem, jamais bloquearei o contato como se fosse um ex-relacionamento, jamais ignorarei alguma ligação.

Não é medo da morte, é medo da vida, de não valorizar a vida que resta. Será assim até nosso último dia juntos, até sermos cobertos pela saudade.

CARPINEJAR

16 DE ABRIL DE 2024
OPINIÃO DA RBS

A IMPORTÂNCIA DA LIÇÃO DE CASA

O cenário global tormentoso eleva a importância de uma condução macroeconômica responsável no Brasil. Neste momento, cresce a tensão no Oriente Médio após o ataque do Irã a Israel. Teme-se o risco de um conflito de grandes proporções na região, com consequências inimagináveis. Nos Estados Unidos, indicadores seguem a demonstrar a atividade aquecida, uma inflação resiliente e um mercado de trabalho forte. O resultado é a postergação do início do ciclo de corte do juro pelo banco central americano.

A economia global é interligada por inúmeros vasos comunicantes e, quando múltiplos sinais de alerta são disparados, as repercussões são imediatas. No Brasil, assiste-se a uma forte alta do dólar e à elevação dos juros futuros. A bolsa brasileira tem um dos piores desempenhos entre os emergentes no ano. O recente movimento de alta do petróleo no mercado internacional eleva a pressão inflacionária.

Todos esses fatores tornam, outra vez, necessário lembrar que, quando o ambiente externo fica hostil, mais importante ainda é fazer a lição de casa. Neste contexto, Executivo e Congresso estão a dever maior responsabilidade quanto aos gastos públicos. O governo Luiz Inácio Lula da Silva demonstra a todo momento ímpeto gastador e pouca atenção ao corte de despesas. Voraz em pressionar por emendas e bondoso em distribuir benefícios, o Congresso não fica para trás. As tentativas localizadas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de fechar algumas torneiras esbarram na resistência que o governo sofre no parlamento.

O novo arcabouço fiscal, com menos de ano de vida, já está crivado de furos e dribles. Na mais recente manobra, uma articulação da Casa Civil, em sintonia com o Congresso, abriu a possibilidade de antecipação no orçamento deste ano de R$ 15,7 bilhões em despesas extras. Por óbvio, a distribuição da bolada será dividida entre o Executivo e os parlamentares. Fica a sinalização de que o próprio governo contribui para desmoralizar o instrumento que criou para substituir o teto de gastos. A perda de credibilidade da regra tende a produzir deterioração de expectativas, o que primeiro afeta indicadores financeiros e, em seguida, a economia real.

Outro sinal preocupante veio da confirmação ontem de que o governo federal jogou a toalha de produzir um superávit equivalente a 0,5% do PIB em 2025, propondo meta zero, conforme o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO). Era outro compromisso do novo marco fiscal. Pioram, assim, as perspectivas quanto à trajetória da dívida pública do país.

Passa da hora de o governo deixar de tentar mascarar a realidade. O equilíbrio fiscal não será alcançado apenas com elevação de receitas. Será indispensável olhar a coluna dos gastos. Apesar de ser um ano eleitoral, o Congresso tem o dever de também demonstrar responsabilidade com o país. A tensão geopolítica, a incerteza quanto à política monetária nos EUA e o desarranjo interno nas contas públicas tendem ainda a aumentar as dúvidas sobre o ciclo de corte da Selic no Brasil. É ruim para o crédito, para a atividade econômica, para as finanças pessoais dos brasileiros e para os investimentos produtivos.


A opção pela dúvida

Uma foto já não vale mais do que mil palavras. Um vídeo, mesmo que tenha qualidade de filme de cinema, não serve para provar nada. Mensagens atraentes e convincentes nas redes sociais podem ser verdadeiras ciladas. De cada 10 telefonemas que a gente recebe de interlocutor desconhecido, 11 são golpes. E mesmo que a chamada venha de um conhecido também pode ser fraude. Como na célebre parábola judaica, a Mentira parece mesmo ter vestido as roupas da Verdade - e ficou tão impecável que fica difícil desmascará-la. Já não dá para acreditar em nada do que a gente vê, ouve ou lê, principalmente nos meios digitais, que se transformaram na Caixa de Pandora da era moderna.

Como vamos sair dessa enrascada? Não creio que sairemos. É a nova realidade. Mesmo que os legisladores nacionais e estrangeiros criem regras rigorosas para o uso da tecnologia e ameacem os infratores com punições exemplares, o mundo não vai girar para trás como no filme do Super-Homem. O regramento até pode ajudar, mas não substituirá o nosso livre-arbítrio para crer ou descrer.

Por isso é essencial apostar na educação, na preparação das pessoas para que não se deixem enganar e nem caiam na tentação de enganar os outros. Educação midiática é o nome da coisa. Orientação aos usuários dos meios digitais, incluindo aqueles que já nasceram com os dedos na telinha, para que aprendam a distinguir o bem do mal nesse ambiente propício à enganação. Numa só palavra, conscientização.

E o primeiro passo dessa estratégia talvez seja semear a dúvida onde há demasiada confiança. Invertendo a oração de São Francisco: onde houver fé, que eu leve a dúvida. Não se trata aqui de fé religiosa, mas sim de ingenuidade digital. Desconfiar das notícias, das imagens, dos vídeos, de tudo. Duvidar sem ficar com a dúvida. Esse é o foco da campanha institucional que a Associação Riograndense de Imprensa está lançando nesta terça, às 10 horas, em sua sede da Avenida Borges de Medeiros, 915. Duvide do que você vê, ouve e lê. Mas não fique com a dúvida. Consulte fontes confiáveis e recorra ao jornalismo profissional, que depende da própria credibilidade para sobreviver.

Os jornalistas certamente não são donos da verdade nem os únicos a reverenciá-la, mas, por formação e opção de vida, empenham-se em buscá-la onde estiver, mesmo sabendo que essa busca nunca termina. O que nos cabe é apurar bem os fatos, ouvir todos os lados e oferecer ao público informações honestas e equilibradas, para que cada pessoa forme sua própria convicção.

NÍLSON SOUZA

Rumo à Bienal de Veneza, na Itália

Presidente da Bienal do Mercosul, a empresária Carmen Ferrão (foto) embarca hoje para a Europa com uma missão especial. Acompanhada de uma comitiva, Carmen vai participar da abertura oficial da Bienal de Veneza, na Itália, a mais importante do gênero no mundo, que chega à 60ª edição e, pela primeira vez, tem um curador brasileiro - o diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Adriano Pedrosa.

- Vou a Veneza como convidada, para divulgar a nossa Bienal, ampliar o alcance e fortalecer a imagem do evento lá fora. O principal objetivo é inserir a capital gaúcha no circuito internacional de arte - destaca Carmen.

A última mostra, em 2022, exibiu (de forma gratuita) 110 obras de artistas de 23 países e teve um baita impacto: além de gerar 1,3 mil empregos, recebeu 623 mil visitantes em Porto Alegre. A 14ª edição será aberta em 12 de setembro e seguirá até 17 de novembro, com o tema "Estalo", um chamado ao despertar para as grandes transformações no mundo.

"Canto Alegretense" na final do BBB

Não me perguntes se assisto ao Big Brother Brasil, mas pode me questionar se sei onde fica o Alegrete. Não só sei, como sou amiga da família Fagundes, criadora do Canto Alegretense, hino informal do nosso Rio Grande que agora - quem diria! - é finalista de um reality show da TV Globo.

Sim, porque Matteus (foto), o gaúcho que chegou à etapa final do BBB, cantou tantas vezes a canção de Nico e Bagre Fagundes que todos os participantes (e também a audiência) aprenderam a letra. Não é à toa que o rapaz ganhou o apelido de Alegrete, sua amada terra natal.

De boina na cabeça, com o sotaque bonito da fronteira e o jeito simples de quem conhece a lida no campo, Matteus se tornou uma espécie de "guri-propaganda" do Rio Grande do Sul em rede nacional - até o governador Eduardo Leite declarou apoio ao moço.

O "brother" também dançou chula, falou aos colegas sobre o Encontro de Artes e Tradições Gaúchas (Enart), cujas finais ocorrem em Santa Cruz do Sul, e sobre o Freio de Ouro, uma das provas mais tradicionais da Expointer. Chorou ao ver a foto de Shupim, seu cavalo crioulo, e fez uma ode à deusa Cristina Ranzolin e ao Jornal do Almoço, dois patrimônios rio-grandenses.

O novo astro chegou a ser citado em um artigo de opinião da Folha de S.Paulo, um dos maiores jornais do Brasil, sugerindo que "os homens gaúchos deveriam erguer uma estátua de Matteus pela melhoria na imagem", por ele se destacar "por coisas básicas, como respeito e educação".

Ao longo do programa, o participante ainda deu visibilidade a artistas como Gildo de Freitas, Mano Lima, Baitaca, Luiz Marenco e Teixeirinha. Quando a gente poderia imaginar que Tordilho Negro e Batendo Água seriam entoadas em um dos programas de maior sucesso da Globo?

Não por menos, eu soube que até o Giovani Grizotti, repórter farroupilha da RBS TV, anda organizando uma mobilização pelo finalista, com a participação de um monte de gente ligada aos CTGs e ao meio artístico regional. O único "defeito" do Matteus é ser colorado, mas, curiosamente, ele é vice-mosqueteiro do Consulado do Grêmio de Alegrete. Até nisso o guri flor de especial conseguiu agradar a massa.

JULIANA BUBLITZ 

segunda-feira, 15 de abril de 2024


15 DE ABRIL DE 2024
CARPINEJAR

A Terceira Guerra Mundial

Não é a primeira vez que acontece uma Terceira Guerra Mundial. Já existiram várias situações de estremecimento no Oriente Médio ou na Guerra Fria que acreditávamos ser o fim dos tempos.

O senso comum quer sempre saber quem atacou primeiro, quem iniciou a provocação. Não há como definir. A crise se agravou no dia 1º de abril, após Israel bombardear o consulado do Irã em Damasco, na Síria.

No último sábado, Teerã, alegando legítima defesa, ofereceu sua resposta com o lançamento de drones de seu território, fustigando uma região abalada por mais de seis meses de guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza.

Irã estaria respondendo à investida israelense que matou seu comandante sênior da guarda revolucionária e outras seis pessoas na Síria.

Só que a natureza do ataque do Irã foi mais simbólica do que real. Tratou-se de uma performance telegráfica, interessada exclusivamente em dar um recado, justificando à opinião pública que irá se defender contra qualquer abuso ou invasão de suas fronteiras. Funcionou como uma advertência ao Ocidente.

Vivemos esse impasse: se houver réplica de Israel, mesmo sem mortes e sem danos evidentes na sondagem inimiga, não podemos prever as consequências, já que tanto o aiatolá quanto o premier israelense detêm armas nucleares.

O personagem mais perigoso no tabuleiro é o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que vem negando mediações da ONU e agindo por sua conta e risco. O alarmismo parte de suas decisões unilaterais e truculentas, pois afirmou que Israel estaria preparado "para a possibilidade de um ataque frontal". Vem criando um cenário de esgoelamento diplomático para trazer os Estados Unidos ao seu lado, em decisiva coalizão, e dispor assim das bases militares estadunidenses no Qatar, no Bahrein, no Kuwait, no Iraque, na Síria e na Jordânia.

Um conflito paralelo entre os dois países poderia se tornar efetivamente direto. As duas nações religiosas estão envolvidas há anos numa guerra paralela (shadow war). O Irã até então vinha usando as chamadas forças "por procuração" (proxy), ou seja, usando terceiros - forças regionais com grupos armados em Gaza, no Líbano, no Iraque, na Síria e no Iêmen.

Os véus cairiam por terra. Não seria mais uma disputa de Davi com Golias, como é Israel com o Hamas, de um país com uma facção, mas o embate entre duas potências bélicas. O exército do Irã tem três vezes o tamanho do de Israel, levando em conta as tropas de soldados, e uma marinha poderosa. Por sua vez, Israel domina o espaço aéreo. Adota o Domo de Ferro, sistema ultra-avançado de defesa, para interceptar mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos.

A guerra atômica não será acionada por um botão vermelho, como nos fantasiosos filmes, e sim no aprofundamento da radicalização.

Ainda nos encontramos na antessala de qualquer premonição apocalíptica. Porém é momento de extrema cautela. A trégua deve vir para socorrer a paz.

CARPINEJAR

15 DE ABRIL DE 2024
PERSONA

Grupo RBS divulga estudo inédito sobre os gaúchos

O Grupo RBS divulga, na manhã desta terça-feira, em um evento especial para convidados no Instituto Caldeira, os resultados de uma pesquisa inédita sobre os gaúchos. O estudo, intitulado Persona, foi encomendado pela RBS e realizado em parceria com as empresas de pesquisa Coletivo Tsuru e Cúrcuma. O objetivo é entender os perfis, comportamentos e hábitos de consumo do gaúcho em meio às mudanças contemporâneas.

O evento terá participação de Patrícia Fraga, diretora-executiva de Mercado do Grupo RBS, e Caroline Torma, diretora de Marketing do Grupo RBS, que apresentará o estudo ao lado do comunicador Luciano Potter. Em seguida, será realizado um bate-papo sobre a pesquisa, com representantes dos institutos de pesquisa envolvidos e com espaço para perguntas dos convidados.

O estudo busca trazer à tona os elementos que estão por trás de uma imagem consolidada sobre o povo do Rio Grande do Sul - e o que se transformou nesta percepção ao longo dos últimos anos. Como resultado, foram identificados três perfis de gaúchos e suas características. A pesquisa também traz dados sobre a felicidade e o otimismo dos gaúchos, a permanência no Estado e a relação com marcas e produtos.

Metodologias

A pesquisa Persona foi realizada de maio a novembro de 2023, com mais de 5,5 mil gaúchos e um grupo de controle em São Paulo. Foram utilizadas metodologias qualitativas e quantitativas, com questionários por telefone, abordagens presenciais na rua, entrevistas em profundidade, grupos de discussão virtuais e questionários online. Além disso, tanto o mercado publicitário quanto especialistas foram consultados.


15 DE ABRIL DE 2024
CLAUDIA LAITANO

Biblioteca que fala

Nem sempre, ou quase nunca, um discurso de posse na Academia Brasileira de Letras provoca algum tipo de expectativa. A coisa muda um pouco de figura quando o novo imortal, além de fazer História ao ser admitido na casa, tornou-se conhecido exatamente pela repercussão de um discurso.

É difícil evocar qualquer outra ocasião na história do Brasil em que o impacto estético de um pronunciamento tenha comunicado tão bem uma ideia, e chamado tanta atenção para uma causa, quanto o dia em que Ailton Krenak ocupou a tribuna da Assembleia Constituinte, em setembro de 1987, para lembrar os deputados encarregados de escrever a nova Constituição de que existia um jeito de viver e de pensar nas comunidades indígenas que era legítimo e devia ser respeitado.

Mais velho, mais relaxado e falando para uma plateia de admiradores, Krenak é outro, mas continua o mesmo - como o Brasil. Em seu discurso de posse, no último dia 5 de abril, o primeiro imortal indígena em 127 anos de ABL respeitou os rituais da casa, mas não ignorou a fricção entre a cultura letrada da língua portuguesa e os 305 povos que ele passou a representar na instituição. Vestiu o fardão, mas manteve a bandana Kaxinawá que o identifica. 

Homenageou o patrono e os antigos ocupantes da cadeira número 5 (entre eles, Rachel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar na Academia, em 1977), como manda o protocolo, mas não abriu mão do improviso e do bom humor. (Poderia ter feito alguma referência irônica ao poema O Elixir do Pajé, publicado pelo patrono Bernardo Guimarães em 1875, mesmo ano de A Escrava Isaura, seu livro mais conhecido, mas basta ler os dois primeiros versos para entender por que a citação talvez não pegasse muito bem, mesmo diante de uma plateia tão selecionada.)

Ailton Krenak tem 15 livros publicados e é traduzido em vários países e idiomas. Sua obra mais conhecida, Ideias para adiar o fim do mundo, de 2019, contribuiu para que ele recebesse o Troféu Juca Pato de intelectual do ano em 2020. Ainda assim, o novo imortal não se considera um escritor. Krenak habita o "oceano da oralidade", que ele também fez questão de evocar no discurso de posse: "Todo mundo que escreve livros incríveis escutou histórias de alguém que não escreveu livros". Muitas dessas histórias, na forma de conversas, entrevistas e conferências, estão disponíveis no YouTube (inclusive os dois discursos, o de 1987 e o de 2024), e o canal Selvagem - Ciclo de estudos sobre a vida vem selecionando e organizando o acervo oral do autor.

Em 2024, essa "biblioteca que fala e não pede silêncio", na definição do próprio Krenak, que o Brasil nem sempre soube ou quis escutar, é o que boa parte do mundo está interessada em ouvir.

CLÁUDIA LAITANO


15 DE ABRIL DE 2024
INFORME ESPECIAL

Novidade no antigo terminal aéreo

Cenário de partidas e chegadas por décadas, o antigo terminal do Aeroporto Salgado Filho, na Capital, voltará a atrair a atenção em 2024: o prédio vai sediar a CasaCor RS, uma das maiores mostras de arquitetura, design e paisagismo das Américas. Responsável por movimentar o segmento com novas ideias e tendências, o evento será entre os dias 6 de setembro e 3 de novembro e irá repaginar o edifício de 1953 com a ajuda de arquitetos gaúchos.

É uma ótima notícia, já que, desde 2019, o local, ocupado pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo, não recebe mais voos. A mostra vai se espalhar por 5,4 mil metros quadrados no térreo, onde fica o painel A Conquista do Espaço (na foto maior), uma das jóias do italiano Aldo Locatelli em Porto Alegre.

Ali serão criados cerca de 45 ambientes para visitação. Haverá, também, um bar e um restaurante para atender o público durante a mostra, que ficou famosa não só pela beleza, mas por revitalizar lugares na cidade - como o edifício Pia Chaves Barcellos, de 1923, no bairro Rio Branco.

- A trajetória de 33 anos da CasaCor RS é reconhecida por ressignificar espaços. Realizar a mostra no antigo terminal do aeroporto, reativando um dos prédios mais icônicos da cidade, é um grande marco para o evento e para Porto Alegre - diz Karina Capaverde (no detalhe), diretora do evento.

Na Nasa

Um artigo escrito por alunos do curso de Engenharia Civil da Universidade Estácio no Rio Grande do Sul foi parar no banco de dados da Nasa. Assinado por Rodrigo Krischke e Michele Machado, com orientação do professor André Felipe da Silva Guedes, o texto trata do impacto da radiação em placas solares e dos efeitos térmicos em painéis flexíveis (usados por espaçonaves e satélites). O documento está disponível no Astrophysics Data System (ADS) e também no repositório de Harvard.

Em reconhecimento, os pesquisadores vão receber medalhas do programa Artemis, hoje, às 18h30min, na Estácio, em Porto Alegre.

Em busca do piá raiz

Sucesso na internet, o comediante Cris Pereira (foto) volta aos palcos com um espetáculo inédito (e hilário): Gaudêncio Em Busca do Piá Raiz. Será no dia 24 abril, às 20h, no Auditório Araújo Vianna, na Capital.

Se você ainda não conhece o artista, Cris é um craque no "Stand Up Bagual", show de piadas contadas pelo impagável Gaudêncio (que você vê aí ao lado). Ingressos à venda em sympla.com.br. Te apressa, vivente!

JULIANA BUBLITZ

sábado, 13 de abril de 2024


13/04/2024
Martha Medeiros

Virgem Santíssima, e se ela seduzir nossos maridos?

Escutei de uma funcionária de uma indústria automotiva. “Depois de me separar, fiquei mais de 10 anos sem namorar. Minhas amigas não se conformavam, viviam perguntando: e aí, onde estão os crushs, vai ficar sozinha para sempre? Como insistiam nisso. Não aceitavam que eu estivesse legal comigo mesma. Até que conheci um cara e a gente começou a se relacionar. Parecia que eu tinha ganhado na loteria. Elas diziam: agora sim! Você está muito melhor!! Como podiam saber se eu estava melhor?”

Elementar: as amigas estavam falando delas mesmas. Elas, sim, agora se sentiam melhores. Uma mulher solta no bando é sempre inquietante.

Estimular as solteiras a formarem um par pode ser um carinho, mas também é um sintoma do medo que a sociedade tem das pessoas avulsas, principalmente se forem mulheres. As solteiras desapegaram do conceito arcaico de que uma mulher só tem valor com um homem do lado. Elas não topam qualquer arranjo para ter alguém. 

A solitude deixou de ser um bicho papão e ter filhos não é a única saída para dar sentido à vida: elas se sentem preenchidas pelo trabalho, pelas viagens, pelos livros e pelos amigos, inclusive aqueles que tentam “salvá-las” de tanta independência. A estrutura social do casal ainda embute a ideia de adequação, enquadramento – duas pessoas com o destino entrelaçado parecem previsíveis, nenhum susto virá dali.

Já a mulher avulsa é um enigma. O que faz, do que se alimenta, com quem acasala? Ela pode estar na cidade hoje e amanhã embarcar para a Índia. Não mora com ninguém, não dá satisfações, troca de planos em dois minutos. Se não tem um namorado, talvez tenha vários. Virgem Santíssima, e se ela seduzir nossos maridos?

Case logo, criatura. Case para deixar de ser um risco aos nossos casamentos. Case para que você se vista de forma menos extravagante e engorde um pouco. Para que você não nos faça lembrar de como era boa a liberdade de ir e vir, e de como a vida era mais barata quando não tínhamos que sustentar uma família. 

Case logo e tire esse sorriso do rosto, não fique escancarando que é possível ser feliz sozinha. Case e vamos jantar a quatro numa cantina, porque mesa com três pessoas desequilibra a ordem social. Case e contribua para a conversa da turma com as queixas habituais, em vez de falar sobre filmes que não vimos, cursos que não fizemos e noites bem dormidas, sem ninguém roncando ao lado. Não nos irrite.

Parece assunto do século passado, mas ainda há quem não sossegue antes de apresentar um bom partido para a coitada da amiga solteira, aquela que finge que está tudo bem. É CLARO QUE ELA ESTÁ MENTINDO!! Calma, não grite. Evite o descontrole. Eu sei, é um stress essa gente que se faz de moderna.


13/04/2024 - 09h00min
Claudia Tajes

Os pêssegos em calda sempre foram um doce sério

Eles fizeram parte dos almoços de família sempre que a minha mãe não estava inspirada para fazer a torta de bolacha dos domingos

O homem jovem, 40 e poucos anos, bonito, todo moderno em seus gostos culturais, sempre vestido com camisetas de bandas de rock – as mais clássicas ou as tão obscuras que só ele e mais meia dúzia de aficionados conhecem –, chegou ao churrasco dos amigos levando uma lata de pêssegos em calda e outra de creme de leite.

Pêssegos em calda com creme de leite.

Os convidados mais novinhos, muito provavelmente, jamais tinham visto uma lata daquelas fora das prateleiras do supermercado. E quase dá para apostar que nenhum havia parado no corredor das caldas de pêssegos, abacaxis, figos, goiabas, abóboras.

Que fique claro: não estou falando mal dos pêssegos em calda. Eles fizeram parte dos almoços de família sempre que a minha mãe não estava inspirada para fazer a torta de bolacha dos domingos. Mas então éramos crianças e os pêssegos em calda sempre foram um doce sério, não tinham o mesmo encanto do pudim, outra sobremesa que ela fazia bem.

A lata de pêssegos em calda me lembrou de outras coisas que eram parte da vida das famílias e que hoje amargam o ostracismo. Novamente: não que o pêssego em calda esteja arquivado, fabricantes e apreciadores, não me cancelem. Foi só que aquela lata me levou a uma viagem no tempo, e de repente me vi na casa dos meus pais, com tantos e diversos caprichos hoje desaparecidos.

A roupinha xadrez do liquidificador, que combinava com a roupinha do botijão de gás. O Fabrício Carpinejar escreveu que as famílias se transformaram na hora em que a mãe parou de vestir o botijão de gás.

Os conjuntinhos de privada. Uma capa sempre meio peluda que cobria a tampa do vaso sanitário e fazia par com o tapetinho peludo que tornava o ato de sentar ali mais reconfortante. O tal do conjuntinho acabava ficando meio nojento pela água que pingava da descarga e pela sua própria natureza, e de vez em quando era substituído por outro. O cheiro era o de um cachorro molhado eternamente deitado no banheiro.

O abajur de uísque. Esses dias vi um filme da diretora Lucia Murat sobre o golpe de 1964 e lá estava, na casa de uma das entrevistadas, o abajur de uísque JB, um clássico dos anos 1970. Quem não teve um não viveu um capítulo marcante da decoração da casa brasileira.

A TV ligada no programa Sílvio Santos da manhã até a noite. Tudo o que acontecia no domingo era em função do Programa Silvio Santos. Almoço na hora do Qual é a Música? – duas notas, Maestro Zezinho –, banho quando entrava algum quadro chato de competição entre estudantes, janta na mesa tão logo começava o Show de Calouros. Ninguém precisava de relógio no domingo, qualquer criança sabia que ia para a cama quando o Quem Quer Dinheiro? acabasse.

Depois, bem depois, veio o Fantástico e a terrível sensação de fim do mundo com aquela musiquinha da abertura anunciando que o domingo já era.

Para encurtar o caso, o churrasco dos amigos chegou ao fim, e a lata de pêssegos em calda se ofereceu para quem quisesse desbravar sabores de outros Carnavais. O creme de leite se mistura com a calda e ameniza a doçura, disse o homem da camiseta de banda, expert no assunto. E todos gostaram e repetiram até limpar a lata.

No próximo encontro com seus pais, os jovens presentes certamente contarão que naquele domingo, ao som de phonk, trap, hyperpop ou outra dessas modernidades, experimentaram uma sobremesa diferente, pêssegos em calda. Eles já ouviram falar?